Centro
de Cidadania LGBT Bia Tancredi:
Um
Solar Colorido em defesa dos Direitos Humanos
Angelita
Costa Freitas
Silvana
Jorge Ramos
Resumo: Este artigo constitui-se em relato, reflexão e também divulgação do Centro de Cidadania LGBT do Noroeste Fluminense – Bia Tancredi, localizado na cidade de Miracema. É um dos 16 equipamentos espalhados pelo Estado do Rio de Janeiro, que oferece todo o suporte necessário à população LGBTQIA+, com atendimento social e psicológico, além de acompanhamento jurídico dos casos necessários. Ressalta o pioneirismo de Miracema frente ao tema, colocando-se na vitrine para os municípios vizinhos, quando reafirma, com a criação do Centro, seu histórico de luta política, acolhimento e respeito às diversidades. Realça, ainda, a luta pela visibilidade e garantia de direitos e o quão frágil é essa conquista; tornando-se, deste modo, urgente a constante afirmação e divulgação.
Palavras-chave: Direitos
Humanos; Diversidade Sexual e de Gênero; Políticas Públicas; Psicologia
INTRODUÇÃO
O principal fundamento dos Direitos
Humanos é a garantia da dignidade humana. Todo ser humano deve ter reconhecido
seu direito a ter direitos (saúde, educação, emprego, moradia, saneamento
básico, justiça e etc). Portanto, violências no campo físico, moral, psíquico,
social e cultural são inaceitáveis. Mas, os princípios que norteiam a dignidade
humana estão longe de serem realidade na nossa sociedade. Ainda hoje temos diversos
grupos sociais privados do direito à vida.
Este artigo vem destacar a luta pela conquista
de espaço através de relato, reflexão e também divulgação do Centro de Cidadania
LGBT do Noroeste Fluminense – Bia Tancredi, localizado na cidade de Miracema. O
Centro é um dos 16 equipamentos espalhados pelo Estado do Rio de Janeiro, que
oferece todo o suporte necessário à população LGBTQIA+, com atendimento social
e psicológico, além de acompanhamento jurídico dos casos necessários.
Os equipamentos são
espaços de informações, acolhimento e mobilização voltado para o combate à
LGBTIfobia.
Este programa é vinculado à Superintendência
de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos (SUPERDir) da então Secretaria de
Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) e tem como objetivos gerais o
combate às homo, lesbo, bi e transfobias, bem como a promoção da cidadania LGBT.
A criação dos Centros de Cidadania LGBT no Estado do Rio de Janeiro foi
possível a partir da construção coletiva de um programa voltado ao público
LGBT, com início em 28 de junho de 2007, com o lançamento da Câmara Técnica
(Decreto nº 40.822/07), que cria o Programa Rio sem Homofobia (RSH). As
propostas e ações elaboradas por esta câmara foram discutidas e aprovadas na 1ª
Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos para LGBT (2008)
e passaram a definir tanto as estratégias de implantação quanto as ações a
serem desenvolvidas.
Inspirado no Programa Brasil sem
Homofobia, lançado pelo Governo Federal em 2004, o RSH foi inaugurado em 2010
como sua versão estadual (Aguião, 2018) e integrava a SUPERDir junto com o
Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR),
criado posteriormente, em 21 de janeiro de 2013.
O lançamento do Rio
sem Homofobia, em 2011, contou com dois serviços: o Disque Cidadania LGBT e o
primeiro dos quatro Centros de Referência e Promoção da Cidadania LGBT do Estado
do Rio de Janeiro, que a partir de 2012 passaram a ser chamados de Centro de
Cidadania LGBT. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) esteve
presente desde o início, colaborando com o processo de seleção de profissionais
e a montagem do serviço. Para constituir esta política pública, além da
parceria com a universidade, o movimento social esteve presente, ao emprestar
suas principais lideranças para o Poder Executivo.
O Disque Cidadania LGBT, lançado em
paralelo, funcionava como um serviço telefônico gratuito que recebia demandas
de LGBT, familiares e amigos discriminados por homofobia e correlatas, que em
seguida eram encaminhadas para um dos Centros de Cidadania LGBT, de acordo com
seu local de moradia. Assim, o Disque Cidadania LGBT constituiu-se como uma das
principais portas de entrada aos Centros. O número telefônico deste serviço era
divulgado de forma destacada no prédio da Central do Brasil, local de grande
visibilidade e afluência maciça de pessoas na cidade do Rio de Janeiro.
Já os Centros de
Cidadania LGBT ofereciam serviços de orientação jurídica, social e psicológica
para o público LGBT, seus familiares e amigos em situação de violação de
direitos, além de se constituírem enquanto espaços de irradiação de informações
e mobilização em políticas públicas de combate à homofobia e promoção da
cidadania, como versaremos na sequência. Este artigo pretende lançar luzes à
reflexão e sensibilização ao tema, bem como divulgar os trabalhos do Centro de
Cidadania LGBTI Noroeste Fluminense, Praça Ary Parreiras, 25, Solar da Dona
Brasileira, Miracema, RJ.
CENTRO DE CIDADANIA BIA TANCREDI
O Centro de Cidadania LGBT
do Noroeste Fluminense - Bia Tancredi - foi inaugurado em 29 de julho de 2021,
através da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH) do
Governo do Estado do Rio de Janeiro conveniado à Prefeitura Municipal de
Miracema e em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de
Miracema.Trata-se do primeiro Centro de Cidadania LGBT do Noroeste Fluminense. Localizado
na região Central do Município de Miracema, em frente à Igreja Matriz e à Praça
das Mães, o Centro de Cidadania LGBT Bia Tancredi é símbolo de visibilidade e
representatividade das pessoas que não aceitam a marginalidade como fim de suas
histórias. Sua bandeira tremula na fachada do prédio centenário como a destacar
que Miracema – embora pequenina geográfica e economicamente, desponta no
cenário estadual e do noroeste fluminense como uma cidade acolhedora, com histórico
de lutas nos mais diversos campos políticos, e cuja política de humanização
antecede os documentos oficiais.
O nome Bia Tancredi vem homenagear aquele que era conhecido em Miracema e região por Fernandinho, cujos olhos e voz se afinavam na maior doçura que uma alma enclausurada em um corpo distonante poderia expressar. Escolheu a arte, as flores e a ornamentação como ganho de vida e conquista de cidadania. Viveu sua sexualidade com a dignidade que todo ser humano tem direito e circulava nos mais diversos espaços, sendo responsável pela ornamentação da Igreja Católica nos inúmeros eventos como procissões e missas especiais, além dos incontáveis casamentos e batizados.
Recordista em Direitos Humanos,
o Centro já conta com mais de 730 atendimentos em menos de 1 (um) ano de
atuação no Noroeste Fluminense. Está sob a Coordenação de Waldyr Barcellos Júnior
e possui uma equipe multidisciplinar, tendo Paula Monteiro Ferreira Quirino
como a psicóloga responsável pelas ações de acolhimento, escuta individual ou
em grupo (roda de conversa), visando o compartilhamento e ressignificação das
vivências ali acolhidas. Ainda no atendimento psicológico vale ressaltar o
trabalho de orientação com a comunidade, no âmbito social e familiar; encaminhamento
para rede de apoio, se necessário, como os Centros de Referência (CRAS, CREAS,
CAPS), Educação e outros. A atuação do psicólogo não se dá de maneira clínica,
mas social, de forma a garantir a prevalência dos direitos e igualdade dessa
população que é submetida diariamente a discriminações diversas.
O Centro oferece suporte psicológico, social e acompanhamento jurídico à população LGBTQIA+ de forma presencial e remota. Em articulação com a Justiça Itinerante e a FIOCRUZ conseguiu retificar o nome e gênero de 16 pessoas Trans através de processo judicial gratuito.
O Centro conta, ainda, com oficina de geração de trabalho e renda e segue calendário oficial de eventos e datas reflexivas da Secretaria Estadual de Direitos Humanos, tais como Dia da Consciência Negra e Dia Mundial do Combate à AIDS, entre outros.
“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.” (Boaventura de Sousa Santos, 2003).
Pensar no processo criativo que envolve as
práticas produzidas no Centro de Cidadania LGBT corresponde a apostarmos em uma
prática política produtora de novos sentidos e novas subjetivações. Em um
cenário social e político de crescente conservadorismo, que tem colocado em
xeque as mais diversas políticas públicas sociais construídas ao longo das três
últimas décadas, a partir da redemocratização do país, urge assumirmos uma
postura crítica e reflexiva, realçando as práticas de luta e resistência.
O cotidiano comporta as limitações deste serviço e desta política, porém pretendeu-se, neste artigo, destacar a potencialidade micropolítica e as implicações, não apenas para Miracema, mas, sobretudo, para as cidades circunvizinhas que ainda não tiveram a coragem de se debruçar sobre um tema tão delicado e necessário. Mais uma vez, destacamos o pioneirismo de Miracema no quesito Direitos Humanos
Aprendemos, pensamos, compartilhamos e nos tornamos mais humanos,
de modo que podemos afirmar que todos estes espaços, práticas e possibilidades aqui
relatados assumiram a encrenca (Azerêdo, 2010) e a potência do viver: ego
ibo tecum in aeternum (eu irei contigo para sempre).
REFERÊNCIAS
Aguião, S. (2018).
Fazer-se no “estado”: Uma etnografia sobre o processo de constituição dos
“LGBT” como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, RJ:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Azerêdo, S. (2010). Encrenca de gênero nas teorizações em psicologia. Revista Estudos Feministas, 18(1), 175 -188.
Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Brasil sem homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra LGTB e de promoção da cidadania homossexual. Brasília, DF: o autor.
Decreto Nº. 40.822, de 28 de junho de 2007. Constitui a Câmara Técnica para a elaboração do Programa estadual de combate à homofobia e promoção da cidadania da população de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 29 jun. 2007.
Resolução CFP Nº 1, de 29 de janeiro de 2018 . Estabelece normas de atuação para as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis. Brasília, DF: CFP.
Santos, B. de S. (2003). Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In B. de S. Santos, Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural (p. 56.). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.
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