Julho/2015
Os corredores são sombrios, mas persisto na certeza de que
vai valer a pena. Diante de mim uma porta. Posso bater e abrir. Posso desistir
e recuar. Decido pela primeira opção. E abro bem devagarinho, para que não haja
barulho e nem surpresa pela minha chegada. Se possível, quero ultrapassar sem
ser notada. Mas como prever o que nos aguarda depois do limiar?
Abro a porta. Agora é claridade! Uma luz diáfana desenha um
novo quadro diante de mim. Do lado esquerdo - talvez por ser o lado do coração
– aquele homem franzino que sempre carrega consigo um chapéu, bigodes, cigarro
e lindos olhos verdes transparentes. Doces olhos verdes.
Acomodado num sofá e com sorriso acolhedor, acena para que eu
arraste um banquinho e me acomode à sua frente. Tira do bolso da camisa de
tergal um pacotinho daquelas folhas de seda onde deposita fumo picado e, num
ritual demorado, prepara um próximo cigarro. Mas, desta vez, as folhas não são
para seu próprio deleite.
Em milésimos de segundo, enquanto acompanho seus movimentos,
observo seus bigodes amarelados como também são amareladas as pontas dos dedos.
Olho seus pés, aqueles dedinhos redondinhos sempre nos chinelos. Pés pequenos e
impressionantes dedos redondinhos.
De volta à realidade deparo-me com o desafio de aprender a
dobradura de um laço do amor. Algo trabalhoso para uma criança de sete ou oito
anos... No entanto, é um desafio. A paciência, o amor, a perseverança desse
homem, em cada folha “desperdiçada” imprime em meu cérebro todas as dobras,
todos os ângulos, e o nó final perpetua-se em meu coração.
Sorrimos cúmplices com o resultado!
Um barulho do lado direito me faz girar. Uma cadeira de
assento de palha é arrastada e um grande homem acomoda entre as pernas um balde
cheio de laranjas. Suas pernas são magras e compridas como também são compridos
seus cabelos brancos. Seus olhos são castanho-esverdeados, como os meus.
Traz consigo um pequeno canivete suíço e também me convida a
sentar ao seu lado para descascar laranjas.
Entrega-me uma pequena faca de cabo de madeira. Algo perigoso para uma
criança de seis ou sete anos... Posso sentir
o cheiro do creme Trim de modelar os cabelos, que ele usa todas as manhãs.
Pacientemente começa a demonstrar o ofício, alertando para
não machucar a fruta. A cada tentativa degustamos o sabor do nosso trabalho - e
rimos - e temos a escorrer pelos cantos da boca o doce sabor do momento.
Dado por satisfeito no primeiro tentame propõe novo desafio:
descascar sem nenhuma “ferida”, para que num único furo superior todo o suco
seja sorvido. Ensina-me a segurar a faca e fazer o furinho, repetidas vezes.
Nem o sumo impregnado em minhas mãozinhas representa incômodo.
Bebemos cúmplices nosso resultado!
Volto novamente meu olhar para a esquerda e meu avô continua
lá sorrindo para mim. Um homem de nome imponente – Porcino de Souza Barros – mas que para nós – e todos os outros também
- sempre foi o vovô Cininho ou “Seu” Cininho. Sua figura franzina, dada a pouco
trabalho físico, e sua sensibilidade no trato com as pessoas nunca fizeram dele
o Sr. Porcino.
Tomo-o pela mão e me aproximo do meu outro avô, também de
nome imponente – Wilson Cretton – que foi batizado Vilson por sua mãe, e por um
erro de registro virou Wilson, mas sempre foi – para nós e para os outros – o
vovô Vilção ou “Seu” Vilção.
Duas figuras tão distintas! Dois amores tão semelhantes! Como
não ser feliz na vida quando se tem no mesmo caminho um Cininho e um Vilção?
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