quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Laços e Laranjas

                                                                                                                            Julho/2015

Os corredores são sombrios, mas persisto na certeza de que vai valer a pena. Diante de mim uma porta. Posso bater e abrir. Posso desistir e recuar. Decido pela primeira opção. E abro bem devagarinho, para que não haja barulho e nem surpresa pela minha chegada. Se possível, quero ultrapassar sem ser notada. Mas como prever o que nos aguarda depois do limiar?
Abro a porta. Agora é claridade! Uma luz diáfana desenha um novo quadro diante de mim. Do lado esquerdo - talvez por ser o lado do coração – aquele homem franzino que sempre carrega consigo um chapéu, bigodes, cigarro e lindos olhos verdes transparentes. Doces olhos verdes.
Acomodado num sofá e com sorriso acolhedor, acena para que eu arraste um banquinho e me acomode à sua frente. Tira do bolso da camisa de tergal um pacotinho daquelas folhas de seda onde deposita fumo picado e, num ritual demorado, prepara um próximo cigarro. Mas, desta vez, as folhas não são para seu próprio deleite.
Em milésimos de segundo, enquanto acompanho seus movimentos, observo seus bigodes amarelados como também são amareladas as pontas dos dedos. Olho seus pés, aqueles dedinhos redondinhos sempre nos chinelos. Pés pequenos e impressionantes dedos redondinhos.
De volta à realidade deparo-me com o desafio de aprender a dobradura de um laço do amor. Algo trabalhoso para uma criança de sete ou oito anos... No entanto, é um desafio. A paciência, o amor, a perseverança desse homem, em cada folha “desperdiçada” imprime em meu cérebro todas as dobras, todos os ângulos, e o nó final perpetua-se em meu coração.
Sorrimos cúmplices com o resultado!
Um barulho do lado direito me faz girar. Uma cadeira de assento de palha é arrastada e um grande homem acomoda entre as pernas um balde cheio de laranjas. Suas pernas são magras e compridas como também são compridos seus cabelos brancos. Seus olhos são castanho-esverdeados, como os meus.
Traz consigo um pequeno canivete suíço e também me convida a sentar ao seu lado para descascar laranjas.  Entrega-me uma pequena faca de cabo de madeira. Algo perigoso para uma criança de seis ou sete anos...  Posso sentir o cheiro do creme Trim de modelar os cabelos, que ele usa todas as manhãs.
Pacientemente começa a demonstrar o ofício, alertando para não machucar a fruta. A cada tentativa degustamos o sabor do nosso trabalho - e rimos - e temos a escorrer pelos cantos da boca o doce sabor do momento.
Dado por satisfeito no primeiro tentame propõe novo desafio: descascar sem nenhuma “ferida”, para que num único furo superior todo o suco seja sorvido. Ensina-me a segurar a faca e fazer o furinho, repetidas vezes. Nem o sumo impregnado em minhas mãozinhas representa incômodo.
Bebemos cúmplices nosso resultado!
Volto novamente meu olhar para a esquerda e meu avô continua lá sorrindo para mim. Um homem de nome imponente – Porcino de Souza Barros  – mas que para nós – e todos os outros também - sempre foi o vovô Cininho ou “Seu” Cininho. Sua figura franzina, dada a pouco trabalho físico, e sua sensibilidade no trato com as pessoas nunca fizeram dele o Sr. Porcino.
Tomo-o pela mão e me aproximo do meu outro avô, também de nome imponente – Wilson Cretton – que foi batizado Vilson por sua mãe, e por um erro de registro virou Wilson, mas sempre foi – para nós e para os outros – o vovô Vilção ou “Seu” Vilção.

Duas figuras tão distintas! Dois amores tão semelhantes! Como não ser feliz na vida quando se tem no mesmo caminho um Cininho e um Vilção?

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