segunda-feira, 8 de março de 2021

Lá em Casa

Lá em casa, sempre tinha oração sobre o prato. Canção e poesia declamada. 

Lá em casa, tinha gente comum. 

Gente que chorava, ria, errava. 

Gente que amava e sempre tinha história pra contar. 

Que não se envergonhava de abraçar, elogiar, chorar na partida 

e esperar a chegada daquele que ficava mais adiante, no distante do aconchego e que vinha, de novo, beber da fonte, da água limpa e boa 

que brotava à toa 

e de graça das mãos e braços que nunca deixavam espaço pra ninguém escapar. 

E do amor lá de casa ninguém escapava. Mesmo. 

Era um frescor de campo, era o descanso dos guerreiros, retirantes. 

Minha mãe não economizava na comida mineira - o jeito que a gente tem de fazer carinho é ir pra cozinha. 

Meu pai ia do armazém pra casa, de casa pro armazém. 

Buscava o que a Thereza precisava e esquecia sempre...e lá ia ele de novo com passo apressadinho, porque por certo bem cedinho chegaria mais alguém. 

Lá em casa o amor era servido primeiro: depois vinha o arroz, o feijão, a couve picadinha (de um jeito que até hoje nunca mais eu encontrei); e vinha franguinho ao molho, e salada, e maionese, e batata frita, macarronada - e a meninada se derretia toda na algazarra de lamber os beiços. 

A gente tinha pouco, mas tinha tudo! 

E, hoje, porque a saudade virou memória, 

eu tinha que falar dessa história 

que lá em casa, a gente escreveu.

História que tem jeito de terra, cheiro de pasto, cor de mato. Pacto de amor, que sem mando nenhum, transborda de novo do coração, 

virando palavra, pra que eu não morra nessa sexta-feira de tão certeira solidão. 


_ Miryan Lucy Rezende

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