De "Livro das Horas"
Nélida Piñon
- "Sinto que Nova York me vigia, decidida a decretar minha obsolescência. O tempo útil para viver. E não é assim em qualquer parte do mundo em que nos apressam a morrer para os demais tomarem nossos assentos?"
- "Assim marcha o mundo. Sobreviver é difícil, mais ainda é levar altivo a coroa de lata na cabeça."
- "Entre amigos, caminhadas, teatros, museus, restaurantes, consumo os dias. Um universo fugaz que expressa atração pelo que é provisoriamente perfeito."
- "Sou um casulo que aceitou viver com suas contradições. E não me censuro por isso. Entre as paredes do meu corpo, realizo todas as tarefas."
- (...) indago se acaso a minha espécie equivale ao espinho da rosa que se gaba em extrair sangue do anular de certa princesa."
- "Morrer, aliás, é tão fácil que me surpreende como estamos vivos, se levarmos em conta a dificuldade de respirar, de acordar com dores que nem os médicos combatem ou explicam. E que, quando esclarecem, só eles entendem."
- "Sou um ser dramático. Esbarro com facilidade na ambiguidade da minha condição e nos limites da linguagem. Animam-me os sentimentos coletivos e a consciência precária."
- "Como seres da imaginação, rabiscamos no papel palavras que seguem para o lixo da história. É obrigatório, pois, fabular com o fio cuja fragilidade ameaça romper-se ao final do dia."
- "A imaginação, tida como assunto de pobre e de mulher, de infante e de distraídos, é socialmente desvalorizada."
- "Muitos confundem a imaginação com a fantasia, o tecido urdido pelas mãos femininas. Para se crer que fantasia e imaginação, enlaçadas, integram o repertório dos desvalidos, dos desclassificados, da esfera da mulher. Dos seres que dotados de audácia alienavam a realidade como forma de legitimar suas existências."
- "Sei da propensão do mal a nos arrastar, mas resisto às intempéries. Não me aceito em frangalhos."
- "Estas vitrines são um teatro sem fala, que dispensa o verbo como justificativa estética."
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