De "Livro das Horas"
Nélida Piñon
- "Alimento o meu dia com o pão sovado da minha biografia. Vítima e cúmplice de minhas artimanhas, duvido que haja medida certa equivalente a cada estado vivido. Mas não protesto pelo júbilo, pela apatia ou pela crosta de dor coladas à minha pele."
- "Os dias são mortais, desfalecem na lembrança. Para não perdê-los, elegemos certas datas que celebrem aflições e triunfos, crenças e lutos."
- "De minha parte, não procuro ouro, mas o silêncio."
- "...aspiro viver em meio a pétalas e escassas palavras. Capaz de filtrar o que me dizem, para nada me ofender ou oxidar a caixa acústica do meu coração." (isso é sábio!)
- "O cotidiano abusa da minha complacência. Julga que sou frágil e boba, quando me empenho em compreender a natureza do caos."
- "Positivamente a vida mesquinha não me serve."
- "Que história seja, ela me enternece. Ao ouvi-la, acomodo-me na poltrona da casa e afino as cordas do coração."
- "Confio que, em caso de desvio de conduta ou de declínio, um amigo me chame a atenção. Afinal, espargi em torno gestos amorosos, plantei frutos nos quintais da cidade."
- "A vida não é nova para mim. Tenho anos nas costas, décadas no coração cansado."
- "Dezembro é voraz. Sou vítima do seu falso esplendor. Este mês não me engana. Alimenta-se da minha fome e das ilusões coletivas."
- "A vida, contudo, que transcorre nas choupanas e nos palácios, descuida-se do coração sofrido (...). De tudo que é assunto de sua alçada."
- "Cada qual narra a história da sua solidão. Da solidão que acossa reis e escravos. A que se está condenado mesmo quando cercado de familiares, amores, tribos, séquitos, das leis universais."
- "O próprio lar, onde nos entrincheiramos, pode ser o lugar do medo e da desesperança."
- "... como aferir a febre do verbo, o grau de sofrimento do autor?"
- "Vou morrer e nada sei."
- "A felicidade está ancorada nas mil definições incertas. Ela não fala e nem contraria nossos desígnios. Ora é crepuscular, serena, modesta, como sabendo que o pouco é muito."
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