domingo, 5 de janeiro de 2025

#39 GEAP - Fenômeno e Doutrina

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FENÔMENO E DOUTRINA

Referências:

* Mediunidade e Sintonia – Capítulo 2, Ed. Cultura Espírita União.

* Boa Nova – Capítulos 16 e 28.

* Trecho de episódio da série The Chosen.

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No Serviço Cristão

“Porque todos devemos comparecer ante o tribunal do Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito, estando no corpo, o bem ou o mal.” – Paulo. (2ª Epístola aos Coríntios, 5:10.)

Não falta quem veja no Espiritismo mero campo de experimentação fenomênica, sem qualquer significação de ordem moral para as criaturas.

Muitos aprendizes da consoladora Doutrina, desse modo, limitam-se às investigações de laboratório ou a discussões filosóficas.

É imperioso reconhecer, todavia, que há tantas categorias de homens desencarnados, quantas são as dos encarnados. Entidades discutidoras, levianas, rebeldes e inconstantes transitam em toda parte. Além disso, incógnitas e problemas surgem para os habitantes dos dois planos. Em vista de semelhantes razões, os adeptos do progresso efetivo do mundo, distanciados da vida física, pugnam pelo Espiritismo com Jesus, convertendo-nos o intercâmbio em fator de espiritualidade santificante.

Acreditamos que não se deve atacar outro círculo de vida, quando não nos encontramos interessados em melhorar a personalidade naquele em que respiramos.

Não vale pesquisar recursos que não nos dignifiquem. Eis por que para nós outros, que supomos trazer o coração acordado para a responsabilidade de viver, Espiritismo não expressa simples convicção de imortalidade: é clima de serviço e edificação.

Não adianta guardar a certeza na sobrevivência da alma, além da morte, sem o preparo terrestre na direção da vida espiritual. E nesse esforço de habilitação, não dispomos de outro guia mais sábio e amoroso que o Cristo.

Somente à luz de suas lições sublimes é possível reajustar o caminho, renovar a mente e purificar o coração.

Nem tudo o que é admirável é divino.

Nem tudo o que é grande é respeitável.

Nem tudo o que é belo é santo.

Nem tudo o que é agradável é útil.

O problema não é apenas de saber. É o de reformar-se cada um para a extensão do bem. Afeiçoemo-nos, pois, ao Evangelho sentido e vivido, compreendendo o imperativo de nossa iluminação interior, porque, segundo a palavra oportuna e sábia do Apóstolo, “todos devemos

comparecer ante o tribunal do Cristo, a fim de recebermos, de acordo com o que realizamos, estando no corpo, o bem ou o mal”.

Fenômeno e Doutrina

Até hoje, os fenômenos mediúnicos que se desdobraram à margem do apostolado do Cristo se definem como sendo um conjunto de teses discutíveis, mas os ensinamentos e atitudes do Mestre constituem o maciço de luz inatacável do Evangelho, amparando os homens e orientando-lhes o caminho.

Existe quem recorra à idéia da fraude piedosa para justificar a transformação da água em vinho, nas bodas de Caná. Ninguém vacila, porém, quanto à grandeza moral de Jesus, ao traçar os mais avançados conceitos de amor ao próximo, ajustando teoria e prática, com absoluto esquecimento de si mesmo em benefício dos outros, num meio em que o espírito de conquista legitimava os piores desvarios da multidão.

Invoca-se a psicoterapia para basear a cura do cego Bartimeu. Há, todavia, consenso unânime, em todos os lugares, com respeito à visão superior do Mensageiro Divino, que dignificou a solidariedade como ninguém, proclamando que “o maior no Reino dos Céus será sempre aquele que se fizer o servidor de todos na Terra”, num tempo em que o egoísmo categorizava o trabalho à conta de extrema degradação.

Fala-se em hipnose para explicar a multiplicação dos pães. O mundo, no entanto, a uma voz, admira a coragem do Eterno Amigo que se consagrou aos sofredores e aos infelizes sem qualquer preocupação de posse terrestre, conquanto pudesse escalar os pináculos econômicos, numa época em que, de modo geral, até mesmo os expositores de virtude viviam de bajular as personalidades influentes e poderosas do dia.

Questiona-se em torno do reavivamento de Lázaro. Entretanto, não há quem negue respeito incondicional ao Benfeitor Sublime que revelou suficiente desassombro para mostrar que o perdão é alavanca de renovação e vida, num quadro social em que o ódio coroado interpretava a humildade por baixeza.

Debate-se, até agora, o problema da ressurreição dele próprio. No entanto, o mundo inteiro reverencia o Enviado de Deus, cuja figura renasce, dia a dia, das cinzas do tempo, indicando a bondade e a concórdia, a tolerância e a abnegação por mapas da felicidade real, no centro de cooperadores que se multiplicam, em todas as nações, com a passagem dos séculos.

Recordemos semelhantes lições na Doutrina Espírita. Fenômenos mediúnicos serão sempre motivos de experimentação e de estudo, tanto favorecendo a convicção, quanto nutrindo a polêmica, mas educação evangélica e exemplo em serviço, definição e atitude, são forças morais irremovíveis da orientação e da lógica, que resistem à dúvida em qualquer parte.

Boa nova — Humberto de Campos

16 - O testemunho a Tomé

Conta a narrativa de Marcos que, voltando Jesus de uma das suas excursões, se encaminhou para o território de Dalmanuta, onde vários fariseus se puseram a discutir com ele, para experimentá-lo. Entremostrando a dor que lhe causava a incompreensão ambiente, o Mestre exclamou com a sua energia serena: — “Por que pede esta geração um sinal do Céu?”

Era frequente buscarem o Messias com a preocupação exclusiva do maravilhoso. Alguns exigiam os milagres mais extravagantes, no ar, no firmamento, nas águas. Jesus não afirmava ser o Filho de Deus?!… No exercício do seu ministério, não expulsara Espíritos malignos, não curara paralíticos e leprosos? Os fariseus principalmente eram os que desejavam crer nos ensinamentos novos, mas, dentro das normas do velho egoísmo humano, reclamavam prévias compensações do sobrenatural ao apoio do dia seguinte.

De todos os discípulos, era Tomé o que mais se preocupava com a dilatação, que lhe parecia necessária, da zona de influenciação do Senhor junto dos homens considerados os mais importantes e os mais ricos. Não raro, insistia com Jesus para que atendesse às exigências dos fariseus bem aquinhoados de autoridade e de riqueza.

Naquele dia de breve repouso em Dalmanuta, o Mestre descansava na choupana de um velho pescador por nome Zacarias, quando o discípulo surgiu inesperadamente, reclamando-lhe a atenção nestes termos:

— Senhor, numerosos homens de importância estão na localidade e desejam o sinal de vossa missão divina! Reparando que Jesus guardara silêncio, Tomé continuou a falar, desejoso de acender entusiasmo em torno do seu alvitre.

— São altos funcionários de Herodes, em companhia de doutores de Jerusalém, que excursionam por estas paragens… Além disso, estão acompanhados de patrícios romanos, interessados em conhecer o lago e as suas aldeias mais influentes. Esses viajantes ilustres fizeram-me portador de um convite atencioso e amável, pois vos esperam em casa do centurião Cornélio Cimbro!…

Jesus, entretanto, depois de longo silêncio, no qual pareceu examinar detidamente a atitude mental do interlocutor, perguntou com serenidade, mas em tom algo doloroso:

— Que desejam de mim?

— Querem conhecer-vos, Mestre! — Replicou o apóstolo, mais confortado.

— Não é necessário que me vejam a mim; mas, que sintam a verdade que trago de Nosso Pai. — Redarguiu Jesus, com tranquila firmeza.

Deixando transparecer o desgosto que aquela resposta lhe causava, Tomé insistiu:

— Mestre, Mestre, atendei-os!… Que será do Evangelho do Reino e de nós mesmos, sem o apoio dos influentes e prestigiosos? Acreditais na vitória sem o amparo das energias que dominam o mundo? Mostrai-vos a esses homens, revelai-lhes o vosso poder divino, pois que, ao demais, eles apenas desejam conhecer-vos de perto!…

— Tomé, — exclamou o Senhor, com energia, — Deus não exige que os homens o conheçam senão no santuário do perfeito conhecimento de si mesmos. Eu venho de meu Pai e tenho de ensinar as suas verdades divinas. Nunca reclamei dos meus discípulos as suas homenagens pessoais, apenas tenho recomendado a todos que se amem, reciprocamente, através da vida!

E, desfazendo as ponderações descabidas do discípulo, continuou:

— Julgas, então, que o Evangelho do Reino seja uma causa dos homens perecíveis? Se assim fosse, as nossas verdades seriam tão mesquinhas como as edificações precárias do mundo, destinadas à renovação pela morte, nos eternos caminhos do tempo. Os patrícios romanos e os doutores de Jerusalém não terão de entregar a alma a Deus, algum dia? Quem será, desse modo, o mais forte e poderoso: Deus, que é o Pai de sabedoria infinita, na eternidade de sua glória, ou um césar romano, que terá de rolar do seu trono enfeitado de púrpura, para o pó tenebroso da sepultura?!

Tomé escutava-o, surpreso e entristecido; todavia, com o propósito de se justificar, acrescentou comovido:

— Mestre, compreendo as vossas observações divinas; no entanto, esses forasteiros desejavam apenas um sinal de Deus nos céus.

— Mas, se são incapazes de perceber a presença do Nosso Pai, como poderão reconhecer-lhe um simples sinal? — Perguntou Jesus, com todo o vigor da sua convicção. — Os pais humanos sabem que sem o seu esforço, ou sem a generosa cooperação de alguém que os substitua, à frente da família, não seria possível o desenvolvimento de seus filhos, no que se refere à assistência material; contudo, os homens do mundo encontram a casa edificada da Natureza, com a exatidão de suas leis, e timbram sempre em negar a assistência da Providência Divina. Vai, Tomé, e dize-lhes que o Evangelho do Reino não se destina aos que se encontrem satisfeitos e confortados na Terra; destina-se justamente aos corações que aspiram a uma vida melhor!

Ante a firmeza das elucidações, o apóstolo não mais insistiu. Ainda, porém, interrogou, hesitante:

— Mestre, qual será então a nossa senha? Como provar às criaturas que o nosso esforço está com Deus?

Uma só lágrima, que console e esclareça um coração atormentado, — explicou Jesus, — vale mais do que um sinal imenso no céu, destinado tão somente a impressionar os miseráveis sentidos da criatura. A nossa senha, Tomé, é a nossa própria exemplificação, na humildade e no trabalho. Quando quiseres esclarecer o espírito de alguém, nunca lhe mostres que sabes alguma coisa; sofre, porém, com as suas dores e colherás resultado. A redenção consiste em amar intensamente. Se te interessas por um amigo, suporta os seus infortúnios e imperfeições, anda em sua companhia nos dias amargos e dolorosos! O nosso sinal é o do amor que eleva e santifica, porque só ele tem a luz que atravessa os grandes abismos. Vai e não descreias, porque não triunfaremos no mundo somente pelo que fizermos, mas também pelo que deixarmos de fazer, no âmbito das suas falsas grandezas!…

Desde esse dia, o apóstolo Tomé reformou a sua concepção sobre as mensagens do Céu, no capítulo dos milagres; entretanto, não conseguia escapar a pequeninas indecisões, em matéria de fé. Não podia excluir de sua imaginação o desejo de uma vitória ampla e fácil do Evangelho, pela renovação imediata do mundo.

Dentro em pouco, porém, a onda das perseguições vinha desfazer a suave e divina ventura. O Mestre fora preso. Com exceção de João, que se conservara junto de sua mãe, todos os discípulos se afastaram espavoridos.

Também ele não resistiu às grandes vacilações do triste momento. Debandara. Todavia, depois, sentira o coração pungido de remorsos acerbos. Almejava contemplar o Mestre querido, ouvir, se possível, pela última vez, uma palavra de exprobração dos seus lábios divinos. Disfarçando-se, então, de maneira a tornar-se irreconhecível, a fim de se livrar das iras da multidão, incorporou-se, nas ruas movimentadas, ao ruidoso cortejo. Seu coração batia acelerado. Rompeu a massa popular e aproximou-se do Messias, que caminhava sob a cruz a passos vacilantes, seguido de perto pelos soldados que o protegiam contra os ataques da plebe. Sentiu que uma grande angústia lhe dilacerava as fibras mais delicadas da alma. Contudo, seguiu sempre, até que o madeiro se ergueu, exibindo o sentenciado sob os raios do Sol claro, no topo de uma colina, como para apresentar espetáculo às vistas do mundo inteiro.

Tomé contemplou fixamente o Mestre e notou que o espírito se lhe mantinha firme. Sua fisionomia serena, não obstante o martírio daquela hora, não refletia senão o amor profundo que lhe conhecera nos dias mais lindos e mais tranquilos. Seus pés, que tanto haviam caminhado para a semeadura do bem, estavam ensanguentados. Suas mãos generosas e acariciadoras eram duas rosas vermelhas, gotejando o sangue do suplício. Sua fronte, em que se haviam abrigado os pensamentos mais puros do mundo, se mostrava aureolada de espinhos.

Tomé se pôs a chorar discretamente; logo, porém, como se o olhar do Mestre o buscasse, entre os milhares de criaturas reunidas, observou que Jesus o fitara e, magnetizado pela sua feição divina, avançou, hesitante. Desejava escutar daqueles lábios adorados a reprovação franca e sincera que merecia o seu condenável procedimento, fugindo ao testemunho da hora extrema. Aproximou-se ofegante da cruz e, deixando perceber que apenas cedia a uma necessidade espiritual naquele instante supremo, ouviu Jesus dizer-lhe em voz quase imperceptível:

— Tomé, no Evangelho do Reino, o sinal do Céu tem de ser o completo sacrifício de nós mesmos!…

O apóstolo compreendeu-lhe as palavras e chorou amargamente.

Não obstante a advertência do Messias, feita do cimo da cruz da humilhação e do sofrimento, o discípulo continuava naquela atitude que se caracterizava por dúvidas quase invencíveis. Considerava o Cristo a mais alta figura da Humanidade, em se tratando do amor que ilumina as estradas escabrosas da vida material; mas, no que se referia ao raciocínio, Tomé mantinha certas restrições. Sua alma se deixava empolgar por inúmeras indecisões, quando a notícia fulgurante da ressurreição estalou em Jerusalém, por entre vivas manifestações de alegria.

Maria de Magdala, Pedro, João, bem como outros companheiros, tinham visto o Senhor, tinham-lhe escutado a palavra consoladora e divina. Incerto de si mesmo, quase vencido na sua escassa fé, o discípulo procurou os amigos diletos, ansiando pela manifestação do Mestre adorado. Reunida a pequena comunidade, depois das preces habituais, Jesus penetrou na sala humilde com sereno sorriso, desejando aos companheiros paz e bom ânimo, como nos dias venturosos e risonhos da Galileia. Tomé, sentindo o coração bater-lhe precipitado, ergueu os olhos. O Senhor, percebendo-lhe os pensamentos mais ocultos, aproximou-se do discípulo de fé vacilante e o convidou a tocar-lhe as chagas. Depois de pronunciar as palavras que as narrativas apostólicas registraram, acrescentou bondosamente: — “Tomé, põe a tua mão nas minhas chagas e não te esqueças de que este é o sinal…”

Então, a razão fria do apóstolo notou que um clarão novo o invadia e lhe penetrava a alma. Compreendeu finalmente que o martírio do coração que ama se reveste de misterioso poder. Tocado pela humildade do Mestre redivivo, prosternou-se e chorou. Suas lágrimas eram de ventura e lhe proporcionavam ao Espírito um júbilo para cujo preço todos os tronos da Terra eram miseráveis e pequeninos. Sua alma acabava de vencer uma grande batalha. O coração triunfara do cérebro, o sentimento lhe acrisolara a fé.




 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

#38 AEPH - Amar ao Próximo como a si mesmo.

Introdução com a dinâmica:

Pense num coração lindo, enorme.

Pense numa pessoa que você ama e coloque o nome da pessoa nesse coração.

Pense em duas qualidades dessa pessoa.

Levanta a mão quem pensou em si mesmo?

https://dobrasdotempo.blogspot.com/2022/05/de-volta-as-palestras.html?m=0

Acréscimo de (em Doutrina Consoladora): 

A ponte iluminada (livro VOLTEI - Irmão Jacob/Chico Xavier)

Não nos movimentáramos, por muito tempo, e um facho de luz sublime varreu o céu, não longe, indicando uma ponte cuja extensão não pude, no momento, precisar.

Tão formosa e tocante foi a revelação no horizonte próximo, que muitos nos pusemos em pranto. A emotividade não provinha apenas da claridade que nos tocara os olhos; comovente mensagem de amor transparecia daqueles raios brilhantes, que percorreram o firmamento, copiando a beleza dum arco-íris móvel.

Enquanto muitos companheiros continham a custo as notas de assombro que nos dominavam, cerrei os olhos, por minha vez, naturalmente envergonhado.

Temor súbito vagueava-me n’alma. Teria cumprido com todos os meus deveres? Se constrangido a comparecer ante um tribunal da vida superior, estaria habilitado a apresentar uma consciência limpa de culpa? Como seriam meus atos examinados? Bastaria a boa intenção para justificar as próprias faltas?

O sinal luminoso cortou vagarosamente o céu, de novo. Minha alegria, ante a aproximação do plano mais elevado, era inexcedível, mas a noção de responsabilidade, quanto às dádivas recebidas no mundo que eu deixara, pesava agora muito mais intensamente sobre mim... Mereceria o ingresso naquele domicílio celestial?

Corriam-me as lágrimas, copiosas, quando o grupo estacou. No mesmo instante, ouvi um dos irmãos recém-desencarnados gritar em choro convulso:

– Não! Não! Não posso! Eu matei na Terra! Não mereço a luz divina! Sou um assassino, um assassino!

Aqueles brados ressoaram lúgubres, sombras adentro.

Outras vozes responderam, horríveis:

– Vigiemos a ponte! Assassinos não passam, não passam!

Pareceu-me que maltas de feras preparavam-se para atacar-nos. Não

distante, a projeção resplandecente do invisível holofote clareava o caminho, qual se fora movida em “câmara lenta”.

Entre nós, emoções e lágrimas, junto de um companheiro em crise. Em torno, ameaças e lamentos estranhos. Além, a luz convidativa.

Bezerra, sereno, mas fundamente preocupado, rompeu a expectação, cientificando-nos de que deveríamos olvidar os erros do pretérito e que um dos amigos, em vista de corresponder em demasia à lembrança do mal, impusera descontinuidade à nossa viagem. Acentuou que as reminiscências de crimes transcorridos não deveriam perturbar-nos e que bastaria sintonizar-nos excessivamente com o pretérito para causarmos sérios prejuízos a outrem e a nós mesmos, em circunstância delicada quanto aquela. Disse que o irmão em crise

realmente fora homicida em outra época, mas trabalhara em favor da regeneração própria e a bem da Humanidade, com tamanho valor, nos últimos trinta anos da existência, que merecera carinhosa proteção dos orientadores de mais alto e que não devia levar a penitência tão longe, pelo menos naquele momento, a ponto de ameaçar o êxito da expedição. Necessitávamos reatar o “fio de ligação mental comum”, a fim de que a nossa capacidade volitante fosse mantida em alto padrão. De outro modo, a concentração em massa de entidades inferiores, ao pé da ponte, que se alonga sobre o abismo, talvez nos dificultasse a passagem.

Finalizando a ligeira observação, Bezerra acenou para mim e recomendou-me orar em voz alta, para que a nossa corrente de energia espiritual se recompusesse.

Em oração

Espantado com a designação superior, senti medo e vacilei. Ia pronunciar uma frase a esmo, esquivando-me à incumbência, mas Marta dirigiu-me expressivo olhar. Em silêncio, pedia-me obedecer à ordem recebida e prometia ajudar-me no cometimento.

Amparado por ela e pelo Irmão Andrade, dispus-me a executar a determinação. Que prece pronunciaria? Mantinha-se-me o cérebro incapaz de criar uma peça verbal, compatível com as aflições da hora. Escutando os rugidos que procediam das trevas, fixei a filhinha e lembrei que Marta repetira aos meus

ouvidos o Salmo 23, nos inquietantes minutos de minha libertação da carne.

Copiar-lhe-ia o gesto. E erguendo meu espírito para o Alto, sentindo de instante a instante que a emoção e o pranto me cortavam as palavras, repeti os versículos sagrados.

Ao redor, conspiravam, em nosso prejuízo, o barulho e a ameaça: todavia, quando pronunciei as frases de confiança: – “Ainda que andemos pelo vale da sombra e da morte, não temeremos mal algum, porque Ele, o Senhor, está conosco; a sua vontade e a sua vigilância nos consolam” – nosso grupo, com

Bezerra à frente, levitou sem dificuldade e ganhamos a ponte, atravessando-a a

poucos pés de altura acima dos arcabouços em que é estruturada, conservando o

espírito em prece expectante, como se pesada força de imantação nos atraísse fortemente para o abismo.

Que lápis do plano carnal conseguiria descrever a nossa sensação de contentamento e alivio? Fundo silêncio da alma consegue traduzir a paz, o reconhecimento e a alegria.