sábado, 13 de setembro de 2014

O pato de Jorge Amado

Na minha postagem Transcendência, fiz menção à história do pato, protagonizada por Jorge Amado e Zélia Gattai, que ela tão bem descreveu em Memorial do Amor. Conheci a história numa entrevista da própria Zélia com a jornalista Leda Nagle. Como a internet nos proporciona coisas incríveis, a encontrei publicada na revista Época e vou transcrevê-la aqui, para os que ainda não tiveram - ou querem rememorar - esse deleite.

O pato
Recordou-me há dias Auta Rosa — que, com seu marido, o artista plástico, Calasans Neto, nos acompanhou em andanças por esse mundo de Deus — a história do pato:
— Por onde é que anda aquele pato?
— Que pato, Auta? — eu já nem me lembrava do fato.
Rimos juntas ao reviver o caso: estávamos em Paris às vésperas do aniversário de Jorge. Pela manhã, antes de sair do hotel, olhando o monte de embrulhos a serem acomodados nas malas, eu lhe fiz um apelo:
— Por favor, Jorge, não vamos comprar mais nada, já compramos demais, nem sei onde acomodar tanta coisa. Lá em casa também já está tudo entupido de objetos, estantes e armários transbordando... Promete que não vai comprar mais nada?
Jorge riu:
— Está bem, minha pequenininha... A não ser que...
Diante de uma loja próxima ao nosso hotel, surgiu a tentação. Um pato preto, peito branco, listras claras à guisa de penas das asas, sobressaía entre outros objetos:
— Vejam só que pato mais lindo! — exclamou Jorge, encantado. — Sem este pato a minha vida não terá mais a mínima significação — suspirou —, já não posso viver sem ele.
Levantei o pato.
— É pesado como o quê! — disse eu, demonstrando sutilmente o meu desejo de que a peça não fosse comprada.
Jorge foi andando e eu o segui, morta de remorso, sentindo-me a própria megera repressora que limitava o marido, coitadinho, impedindo-o de realizar um desejo inocente.
Nessa mesma tarde, enquanto o 'coitadinho' tirava uma soneca depois do almoço, eu não resisti, corri à loja e comprei o pato. Escondi-o no quarto dos Calasans e só no dia do aniversário de Jorge o trouxe para o meu. Estendi ao aniversariante o presente, já desembrulhado para causar maior impacto:
— Parabéns, meu amor! Aqui está teu pato!
— Então, foi você, sua peste? — disse ele, rindo, ao me abraçar e beijar.
Sem que eu soubesse, Jorge voltara à loja para comprar o bendito pato, mas chegara tarde demais, já o haviam levado.
O herói desta história, já um pouco desbotado e esfolado pelo tempo, encontra-se entre os objetos de nossa coleção, no terraço.

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