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FENÔMENO E DOUTRINA
Referências:
* Mediunidade e Sintonia –
Capítulo 2, Ed. Cultura Espírita União.
* Boa Nova – Capítulos 16 e 28.
* Trecho de episódio da série The
Chosen.
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No Serviço Cristão
“Porque todos devemos comparecer
ante o tribunal do Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito, estando
no corpo, o bem ou o mal.” – Paulo. (2ª Epístola aos Coríntios, 5:10.)
Não falta quem veja no
Espiritismo mero campo de experimentação fenomênica, sem qualquer significação
de ordem moral para as criaturas.
Muitos aprendizes da consoladora
Doutrina, desse modo, limitam-se às investigações de laboratório ou a
discussões filosóficas.
É imperioso reconhecer, todavia,
que há tantas categorias de homens desencarnados, quantas são as dos
encarnados. Entidades discutidoras, levianas, rebeldes e inconstantes transitam
em toda parte. Além disso, incógnitas e problemas surgem para os habitantes dos
dois planos. Em vista de semelhantes razões, os adeptos do progresso efetivo do
mundo, distanciados da vida física, pugnam pelo Espiritismo com Jesus,
convertendo-nos o intercâmbio em fator de espiritualidade santificante.
Acreditamos que não se deve
atacar outro círculo de vida, quando não nos encontramos interessados em
melhorar a personalidade naquele em que respiramos.
Não vale pesquisar recursos que
não nos dignifiquem. Eis por que para nós outros, que supomos trazer o coração
acordado para a responsabilidade de viver, Espiritismo não expressa simples convicção
de imortalidade: é clima de serviço e edificação.
Não adianta guardar a certeza na
sobrevivência da alma, além da morte, sem o preparo terrestre na direção da
vida espiritual. E nesse esforço de habilitação, não dispomos de outro guia
mais sábio e amoroso que o Cristo.
Somente à luz de suas lições
sublimes é possível reajustar o caminho, renovar a mente e purificar o coração.
Nem tudo o que é admirável é
divino.
Nem tudo o que é grande é
respeitável.
Nem tudo o que é belo é santo.
Nem tudo o que é agradável é
útil.
O problema não é apenas de saber.
É o de reformar-se cada um para a extensão do bem. Afeiçoemo-nos, pois, ao
Evangelho sentido e vivido, compreendendo o imperativo de nossa iluminação
interior, porque, segundo a palavra oportuna e sábia do Apóstolo, “todos
devemos
comparecer ante o tribunal do
Cristo, a fim de recebermos, de acordo com o que realizamos, estando no corpo,
o bem ou o mal”.
Fenômeno e Doutrina
Até hoje, os fenômenos
mediúnicos que se desdobraram à margem do apostolado do Cristo se definem como
sendo um conjunto de teses discutíveis, mas os ensinamentos e atitudes do
Mestre constituem o maciço de luz inatacável do Evangelho, amparando os homens
e orientando-lhes o caminho.
Existe quem recorra à idéia da
fraude piedosa para justificar a transformação da água em vinho, nas bodas de
Caná. Ninguém vacila, porém, quanto à grandeza moral de Jesus, ao traçar os
mais avançados conceitos de amor ao próximo, ajustando teoria e prática, com
absoluto esquecimento de si mesmo em benefício dos outros, num meio em que o
espírito de conquista legitimava os piores desvarios da multidão.
Invoca-se a psicoterapia para
basear a cura do cego Bartimeu. Há, todavia, consenso unânime, em todos os
lugares, com respeito à visão superior do Mensageiro Divino, que dignificou a
solidariedade como ninguém, proclamando que “o maior no Reino dos Céus será
sempre aquele que se fizer o servidor de todos na Terra”, num tempo em que o
egoísmo categorizava o trabalho à conta de extrema degradação.
Fala-se em hipnose para
explicar a multiplicação dos pães. O mundo, no entanto, a uma voz, admira a
coragem do Eterno Amigo que se consagrou aos sofredores e aos infelizes sem
qualquer preocupação de posse terrestre, conquanto pudesse escalar os pináculos
econômicos, numa época em que, de modo geral, até mesmo os expositores de
virtude viviam de bajular as personalidades influentes e poderosas do dia.
Questiona-se em torno do
reavivamento de Lázaro. Entretanto, não há quem negue respeito incondicional ao
Benfeitor Sublime que revelou suficiente desassombro para mostrar que o perdão
é alavanca de renovação e vida, num quadro social em que o ódio coroado
interpretava a humildade por baixeza.
Debate-se, até agora, o
problema da ressurreição dele próprio. No entanto, o mundo inteiro reverencia o
Enviado de Deus, cuja figura renasce, dia a dia, das cinzas do tempo, indicando
a bondade e a concórdia, a tolerância e a abnegação por mapas da felicidade
real, no centro de cooperadores que se multiplicam, em todas as nações, com a
passagem dos séculos.
Recordemos semelhantes lições
na Doutrina Espírita. Fenômenos mediúnicos serão
sempre motivos de experimentação e de estudo, tanto favorecendo a convicção,
quanto nutrindo a polêmica, mas educação evangélica e exemplo em serviço,
definição e atitude, são forças morais irremovíveis da orientação e da lógica,
que resistem à dúvida em qualquer parte.
Boa nova — Humberto de Campos
16 - O testemunho a Tomé
Conta a narrativa de Marcos
que, voltando Jesus de uma das suas excursões, se encaminhou para o território
de Dalmanuta, onde vários fariseus se puseram a discutir com ele, para
experimentá-lo. Entremostrando a dor que lhe causava a incompreensão ambiente,
o Mestre exclamou com a sua energia serena: — “Por que pede esta geração um
sinal do Céu?”
Era frequente buscarem o
Messias com a preocupação exclusiva do maravilhoso. Alguns exigiam os milagres
mais extravagantes, no ar, no firmamento, nas águas. Jesus não afirmava ser o
Filho de Deus?!… No exercício do seu ministério, não expulsara Espíritos
malignos, não curara paralíticos e leprosos? Os fariseus principalmente eram os
que desejavam crer nos ensinamentos novos, mas, dentro das normas do velho
egoísmo humano, reclamavam prévias compensações do sobrenatural ao apoio do dia
seguinte.
De todos os discípulos, era
Tomé o que mais se preocupava com a dilatação, que lhe parecia necessária, da
zona de influenciação do Senhor junto dos homens considerados os mais
importantes e os mais ricos. Não raro, insistia com Jesus para que atendesse às
exigências dos fariseus bem aquinhoados de autoridade e de riqueza.
Naquele dia de breve repouso
em Dalmanuta, o Mestre descansava na choupana de um velho pescador por nome
Zacarias, quando o discípulo surgiu inesperadamente, reclamando-lhe a atenção
nestes termos:
— Senhor, numerosos homens de
importância estão na localidade e desejam o sinal de vossa missão divina!
Reparando que Jesus guardara silêncio, Tomé continuou a falar, desejoso de
acender entusiasmo em torno do seu alvitre.
— São altos funcionários de
Herodes, em companhia de doutores de Jerusalém, que excursionam por estas
paragens… Além disso, estão acompanhados de patrícios romanos, interessados em
conhecer o lago e as suas aldeias mais influentes. Esses viajantes ilustres
fizeram-me portador de um convite atencioso e amável, pois vos esperam em casa
do centurião Cornélio Cimbro!…
Jesus, entretanto, depois de
longo silêncio, no qual pareceu examinar detidamente a atitude mental do
interlocutor, perguntou com serenidade, mas em tom algo doloroso:
— Que desejam de mim?
— Querem conhecer-vos, Mestre!
— Replicou o apóstolo, mais confortado.
— Não é necessário que me
vejam a mim; mas, que sintam a verdade que trago de Nosso Pai. — Redarguiu
Jesus, com tranquila firmeza.
Deixando transparecer o
desgosto que aquela resposta lhe causava, Tomé insistiu:
— Mestre, Mestre, atendei-os!…
Que será do Evangelho do Reino e de nós mesmos, sem o apoio dos influentes e
prestigiosos? Acreditais na vitória sem o amparo das energias que dominam o
mundo? Mostrai-vos a esses homens, revelai-lhes o vosso poder divino, pois que,
ao demais, eles apenas desejam conhecer-vos de perto!…
— Tomé, — exclamou o Senhor,
com energia, — Deus não exige que os homens o conheçam senão no santuário do
perfeito conhecimento de si mesmos. Eu venho de meu Pai e tenho de ensinar as
suas verdades divinas. Nunca reclamei dos meus discípulos as suas homenagens
pessoais, apenas tenho recomendado a todos que se amem, reciprocamente, através
da vida!
E, desfazendo as ponderações
descabidas do discípulo, continuou:
— Julgas, então, que o
Evangelho do Reino seja uma causa dos homens perecíveis? Se assim fosse, as
nossas verdades seriam tão mesquinhas como as edificações precárias do mundo,
destinadas à renovação pela morte, nos eternos caminhos do tempo. Os patrícios
romanos e os doutores de Jerusalém não terão de entregar a alma a Deus, algum
dia? Quem será, desse modo, o mais forte e poderoso: Deus, que é o Pai de
sabedoria infinita, na eternidade de sua glória, ou um césar romano, que terá
de rolar do seu trono enfeitado de púrpura, para o pó tenebroso da sepultura?!
Tomé escutava-o, surpreso e
entristecido; todavia, com o propósito de se justificar, acrescentou comovido:
— Mestre, compreendo as vossas
observações divinas; no entanto, esses forasteiros desejavam apenas um sinal de
Deus nos céus.
— Mas, se são incapazes de
perceber a presença do Nosso Pai, como poderão reconhecer-lhe um simples sinal?
— Perguntou Jesus, com todo o vigor da sua convicção. — Os pais humanos sabem
que sem o seu esforço, ou sem a generosa cooperação de alguém que os substitua,
à frente da família, não seria possível o desenvolvimento de seus filhos, no
que se refere à assistência material; contudo, os homens do mundo encontram a
casa edificada da Natureza, com a exatidão de suas leis, e timbram sempre em
negar a assistência da Providência Divina. Vai, Tomé, e dize-lhes que o Evangelho
do Reino não se destina aos que se encontrem satisfeitos e confortados na
Terra; destina-se justamente aos corações que aspiram a uma vida melhor!
Ante a firmeza das
elucidações, o apóstolo não mais insistiu. Ainda, porém, interrogou, hesitante:
— Mestre, qual será então a
nossa senha? Como provar às criaturas que o nosso esforço está com Deus?
— Uma
só lágrima, que console e esclareça um coração atormentado, — explicou Jesus, —
vale mais do que um sinal imenso no céu, destinado tão somente a impressionar
os miseráveis sentidos da criatura. A nossa senha, Tomé, é a nossa própria
exemplificação, na humildade e no trabalho. Quando quiseres esclarecer o
espírito de alguém, nunca lhe mostres que sabes alguma coisa; sofre, porém, com
as suas dores e colherás resultado. A redenção consiste em amar intensamente.
Se te interessas por um amigo, suporta os seus infortúnios e imperfeições, anda
em sua companhia nos dias amargos e dolorosos! O nosso sinal é o do amor que
eleva e santifica, porque só ele tem a luz que atravessa os grandes abismos.
Vai e não descreias, porque não triunfaremos no mundo somente pelo que
fizermos, mas também pelo que deixarmos de fazer, no âmbito das suas falsas
grandezas!…
Desde esse dia, o apóstolo
Tomé reformou a sua concepção sobre as mensagens do Céu, no capítulo dos
milagres; entretanto, não conseguia escapar a pequeninas indecisões, em matéria
de fé. Não podia excluir de sua imaginação o desejo de uma vitória ampla e
fácil do Evangelho, pela renovação imediata do mundo.
Dentro em pouco, porém, a onda
das perseguições vinha desfazer a suave e divina ventura. O Mestre fora preso.
Com exceção de João, que se conservara junto de sua mãe, todos os discípulos se
afastaram espavoridos.
Também ele não resistiu às
grandes vacilações do triste momento. Debandara. Todavia, depois, sentira o
coração pungido de remorsos acerbos. Almejava contemplar o Mestre querido,
ouvir, se possível, pela última vez, uma palavra de exprobração dos seus lábios
divinos. Disfarçando-se, então, de maneira a tornar-se irreconhecível, a fim de
se livrar das iras da multidão, incorporou-se, nas ruas movimentadas, ao
ruidoso cortejo. Seu coração batia acelerado. Rompeu a massa popular e
aproximou-se do Messias, que caminhava sob a cruz a passos vacilantes, seguido
de perto pelos soldados que o protegiam contra os ataques da plebe. Sentiu que
uma grande angústia lhe dilacerava as fibras mais delicadas da alma. Contudo,
seguiu sempre, até que o madeiro se ergueu, exibindo o sentenciado sob os raios
do Sol claro, no topo de uma colina, como para apresentar espetáculo às vistas
do mundo inteiro.
Tomé contemplou fixamente o
Mestre e notou que o espírito se lhe mantinha firme. Sua fisionomia serena, não
obstante o martírio daquela hora, não refletia senão o amor profundo que lhe
conhecera nos dias mais lindos e mais tranquilos. Seus pés, que tanto haviam
caminhado para a semeadura do bem, estavam ensanguentados. Suas mãos generosas
e acariciadoras eram duas rosas vermelhas, gotejando o sangue do suplício. Sua
fronte, em que se haviam abrigado os pensamentos mais puros do mundo, se
mostrava aureolada de espinhos.
Tomé se pôs a chorar discretamente; logo, porém, como se o olhar do Mestre o buscasse, entre os milhares de criaturas reunidas, observou que Jesus o fitara e, magnetizado pela sua feição divina, avançou, hesitante. Desejava escutar daqueles lábios adorados a reprovação franca e sincera que merecia o seu condenável procedimento, fugindo ao testemunho da hora extrema. Aproximou-se ofegante da cruz e, deixando perceber que apenas cedia a uma necessidade espiritual naquele instante supremo, ouviu Jesus dizer-lhe em voz quase imperceptível:
— Tomé, no Evangelho do Reino,
o sinal do Céu tem de ser o completo sacrifício de nós mesmos!…
O apóstolo compreendeu-lhe as
palavras e chorou amargamente.
Não obstante a advertência do
Messias, feita do cimo da cruz da humilhação e do sofrimento, o discípulo
continuava naquela atitude que se caracterizava por dúvidas quase invencíveis.
Considerava o Cristo a mais alta figura da Humanidade, em se tratando do amor
que ilumina as estradas escabrosas da vida material; mas, no que se referia ao
raciocínio, Tomé mantinha certas restrições. Sua alma se deixava empolgar por
inúmeras indecisões, quando a notícia fulgurante da ressurreição estalou em Jerusalém,
por entre vivas manifestações de alegria.
Maria de Magdala, Pedro, João,
bem como outros companheiros, tinham visto o Senhor, tinham-lhe escutado a
palavra consoladora e divina. Incerto de si mesmo, quase vencido na sua escassa
fé, o discípulo procurou os amigos diletos, ansiando pela manifestação do
Mestre adorado. Reunida a pequena comunidade, depois das preces habituais,
Jesus penetrou na sala humilde com sereno sorriso, desejando aos companheiros
paz e bom ânimo, como nos dias venturosos e risonhos da Galileia. Tomé,
sentindo o coração bater-lhe precipitado, ergueu os olhos. O Senhor,
percebendo-lhe os pensamentos mais ocultos, aproximou-se do discípulo de fé
vacilante e o convidou a tocar-lhe as chagas. Depois de pronunciar as palavras
que as narrativas apostólicas registraram, acrescentou bondosamente: — “Tomé,
põe a tua mão nas minhas chagas e não te esqueças de que este é o sinal…”
Então, a razão fria do apóstolo notou que um clarão novo o invadia e lhe penetrava a alma. Compreendeu finalmente que o martírio do coração que ama se reveste de misterioso poder. Tocado pela humildade do Mestre redivivo, prosternou-se e chorou. Suas lágrimas eram de ventura e lhe proporcionavam ao Espírito um júbilo para cujo preço todos os tronos da Terra eram miseráveis e pequeninos. Sua alma acabava de vencer uma grande batalha. O coração triunfara do cérebro, o sentimento lhe acrisolara a fé.
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