terça-feira, 22 de setembro de 2015

Entre a poesia e os afazeres - intertexto

De Quarto de Costura
Wania Amarante
Visitas

Seu José cata esterco e aduba a couve-flor
Seu Geraldo replanta as mudinhas
a um palmo e meio de distância.
Seu Galdino apanha flores no seu chapéu de feltro
seus pés descalços somam onze dedos.
Seu Jacinto usa avental branco e dirige o fogão,
briga por causa das batatas,
sua,
desiste e apela pra mãe, ou pior ainda
pra autoridade irremediável do pai.
Sebastião racha a lenha e resmunga:
- Tem por aí um homem que carrega meninos num saco.
É verdade, papai?
É verdade, mamãe?
Brincadeira dele.

Notícias da capital:
Tia Yolanda vai chegar.

Seu José apanha as melhores verduras,
Seu Galdino endominga as roupas
e calça sapatos cortados nos bicos,
Seu Geraldo dependura cordão de ouro
e medalhinha de Nossa Senhora d`Aparecida,
Seu Jacinto resmunga baixinho
e Sebastião empilha lenha pro forno grande.
Bem lavados e penteados esperamos no portão pelo Ford
que vem da capital cheinho de tio, tia, primos e primas.
Vamos poder sentar na mesa grande,
comer porco com maionese,
dormir tarde
e tomar guaraná!
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Gosto de coisas simples. De lugares simples. Minha origem é "da roça". Não a renego. Não tenho vergonha de assumi-la. Gosto de moda de viola, música bem caipira. Comida feita no fogão de lenha. Um dedo de prosa é bom. Comer milho cozido. Leitoa assada. Ouvir no ruído do rádio o jogo. Reunir a família toda no almoço, ou para assistir ao último capítulo da novela. No almoço de domingo, um litro de coca cola para toda a família; um pedaço de frango para cada um. Na geladeira, as compotas com os doces. Fim de semana seguinte, o casamento da moça formosa, onde o padre benzia ali mesmo, no quintal. E junto com o Corpo e o Sangue de Cristo, o homem enviado por Deus virava garganta a baixo um gole de pinga. Cheiro de mato, de capim. Barulho de trovoada. Céu escuro cortado por raio. "Calça a sandália menino!" Desliga o chuveiro, menina!" - gritava a mãe anunciando a chuva. E vivíamos a vida quando pensávamos que apenas a estávamos observando, inconscientemente sem saber que esse tempo jamais voltaria. (José Carlos Moreno)

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