segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Entre a erudição e a poesia

De "Livro das Horas"
Nélida Piñon

  • "A cada dia aprendo a perder as pequenas utopias e os ideais indomáveis. Não lamento viver sem eles. Sinto-me mais leve sem o fardo que representam. É impossível servir aos deuses e a mim mesma. Além do mais, perder bens que julgávamos eternos significa estarmos aptos a adquirir no futuro haveres que só a fantasia enxerga. É como destilar a solidão que é vida também."
  • "(...). A pretexto talvez de pagar contas, de cumprir dever literário, de assegurar presença no banquete ilusório da vida."
  • "Só não aceito que me façam perguntas inoportunas ou me obriguem a confessar o que é exclusivo da minha seara."
  • "A vida que escolhi é incompatível com a humilhação de me defender. Só o faria se estivesse em pauta a minha honra, que não é o caso."
  • "Meu único inimigo é a escrita que, fugidia, não se deixa apreender. Escapa-me e vou ao seu encalço, sem fazer concessões em troca de qualquer moeda. Mas com que direito me silenciam, reprovam o amor que professo à literatura, tentando arrancar do coração da escriba a maior razão para viver?"
  • "A emoção, no entanto, é pão diário. Vou ao seu encalço à cata do prazer prestes a desabrochar."
  • "Sei que os anos são ingratos, nos roubam o mel das palavras, dos gestos, o que constitui emoção. Mas não aceito que me privem dos bons sobressaltos."
  • "A imaginação é razão de viver."
  • "A mania de todos é fazer perguntas. Em geral banais, elas preenchem o vazio das conversações. Como se houvesse um consenso que proíba, a quem seja, ser profundo, já que a densidade incomoda."
  • "O que diga não esclarecerá quem sou. Evoluo na resposta e asseguro-lhe que a mentira humilha. E algumas delas abrigam lobos, enigmas, trevas. Ele realça a minha serenidade. Discordo e confesso-me à mercê das paixões, dos delitos que nos espreitam ameaçando infernizar nossos últimos dias de vida."
  • "A traição amarga a vida. Como esquecer a mão que desferiu o golpe florentino? O que fazer? Apagar o nome do traidor, viver como se não o houvesse conhecido."
  • "E, ao indagar sobre o valor da palavra empenhada, admito que as promessas, com teor litúrgico, valem como a própria vida. Não considero que os fins justificam os meios."

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